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Uma das novas apostas da Confeitaria Nacional são os passeios no Tejo (Foto: Divulgação)

“Nunca vou deixar que as receitas originais se alterem” – Rui Viana

 

Há 14 anos à frente da Confeitaria Nacional (CN), Rui Viana é a cara de uma marca que tem aproveitado a evolução dos tempos para se adaptar aos mercados e reinventar-se, mantendo sempre a tradição. Dos cruzeiros no Tejo à aposta no Médio Oriente, onde esta quarta-feira é aberta a segunda loja da marca, tudo é pensado para melhorar o conceito tradicional de uma casa típica portuguesa, com certeza.

 

PME Magazine – Desde que assumiu a liderança da Confeitaria Nacional temos assistido a uma reinvenção da marca. Como é que se opera essa transformação?

Rui Viana – O meu pai já estava com uma certa idade para estar à frente da empresa e eu tinha tentado comprar a empresa alguns anos antes, não foi possível, mas depois assumi naturalmente a empresa em 2002. Fiz bastantes investimentos de início, porque ela já estava numa condição já antiquada – em termos de equipamento – e obsoleta, diria mesmo. Tínhamos elementos antigos da marca e redecorámos a loja. A loja foi toda restaurada em 2002 para ser igual à parte que tinha aberto em 1829. A outra parte já era de meados do século XIX – foi a parte da rua dos Correeiros e do primeiro piso piso. E tudo isso foi bastante estudado em documentos antigos que tínhamos, a partir de 40 fotografias, foi a partir daí que fizemos o restauro da loja.

 

PME Mag. – A evolução da marca levou a este novo conceito dos cruzeiros no Tejo? Como é que nasce?

R. V. – Foi um longo processo, mas depois do restauro da loja houve que fazer uma nova fábrica para aumentar a capacidade de produção, dar resposta aos novos pontos e venda e também à parte da exportação, que começa a ser bastante importante. A partir do momento em que a loja foi restaurada começou a pensar-se como é que se poderia expandir a marca com um ar mais moderno, mas sem tirar toda a parte de antiguidade, que é o nosso principal ativo. Isso foi estudado por várias pessoas, entre as quais uma designer que temos, a Joana Miranda, e depois nasceu uma parte de arquitetura de interiores, através do gabinete de Carlos Macedo e Bernardo Alves, e aí ficámos com uma imagem para crescer para outros lados.

Entretanto, abriu uma loja no Médio Oriente e começou a pensar-se nesta parte marítimo-turística. Esta empresa [River Cruise] passou por uma oportunidade, sobretudo pelo barco que tem, que é autossuficiente em termos de cozinha, tem uma cozinha enorme, praticamente do tamanho da loja principal, tem 120 lugares sentados, capacidade para 300 pessoas e tinha todas as características para tornar o barco numa confeitaria flutuante, sendo que a cidade está a virar-se para o rio – aliás, a tendência de todas as cidades é virarem-se para a água, quando a têm. Por isso, pensámos que seria importante criar aqui uma nova atividade marítimo-turística, sempre apoiada pelo catering da Confeitaria e com possibilidade de ter mais do que estes dois cais de embarque e desembarque.

 

PME Mag. – Que balanço fazem deste projeto, desde que iniciou maio até agora?

R. V. – O balanço é positivo, embora considere este o ano zero. Começámos tarde nesta estação e os passeios regulares são um pouco sazonais. Depois os eventos são ao longo do ano todo. O primeiro ano realmente vai ser o ano que vem, em que já temos os contactos todos feitos com agências. Este ano foi até bastante melhor do que pensava. Temos tido um ou dois eventos por semana, temos dois passeios regulares por dia, excetuando às segundas-feiras, por isso a faturação indica que o orçamento do ano que vem, se for para rever, é porque é demasiado conservador.

 

PME Mag. – É desta forma que pretendem chegar mais às empresas?

R. V. – Estamos a tentar chegar mais às empresas, mas também às entidades oficiais, aos nossos clientes da CN que queiram ter uma nova experiência. Todos os produtos que aqui se vendem são CN. A marca teve esta evolução, mas nunca descurando a parte histórica e o lettering e a imagem gráfica, por conseguinte, penso que agora vamos abranger um público de uma faixa etária mais nova, que já temos mas que ainda se está a acentuar. Através das festas sunset, tudo tem-nos levado a pensar que vamos começar a entrar numa nova fase, em que vamos funcionar mais no fim do dia, mesmo nos pontos de venda que estão em sítios muito agradáveis para aproveitar o pôr-do-sol e aproveitar o barco, quando vai ao Terreiro do Paço, para ver Lisboa a mudar de cor no final do dia. Temos o barco a sair de Belém duas vezes por dia. E sai daqui normalmente ao final do dia com eventos ou com festas sunset. Vamos ter mais um cais para os lados do Terreiro do Paço, para embarque e desembarque de passageiros mais no centro de Lisboa. Queremos começar em março com esse cais. Temos três possibilidades e vamos escolher a que nos convier mais.

 

PME Mag. – Além disso, já estão na Arábia Saudita em regime de franchising…

R. V. – Sim, há um regime de master franchising com uma companhia gigantesca noutros setores e está a entrar agora no setor alimentar, a Rawafedfoods. Está a diversificar-se, além da nossa marca tem uma marca francesa, e outra libanesa. Estão a abrir agora a segunda loja. Têm toda a região dos países do Golfo – Kwait, Omã, Qatar – e abriram primeiro na Arábia Saudita, porque é um país que quando tem uma marca destas atrai vontade para abrir [noutros locais]. A partir daí vão abrir em franchising para outros países e também com uma loja própria no Dubai. Esta segunda loja é do master franchising, também da CN e já abriu em soft opening e vai abrir agora oficialmente. Toda a imagem corporativa é da CN. Há uma num shopping e esta é de rua, ambas em Riade. A terceira loja ainda será em Riade e a quarta já será no Dubai.

 

PME Mag. – Porquê esta aposta no Médio Oriente?

R. V. – O dono do grupo passou por Lisboa, parou na Praça da Figueira, olhou para a loja – eles são atraídos por marcas de qualidade, marcas com notoriedade e antigas e a CN é mais antiga do que a própria Arábia Saudita… Depois enviou cá um chef francês e começámos a conversar há quatro ou cinco anos e chegámos a acordo há dois anos. Também tivemos contactos do Irão, mas essa é a parte do Médio Oriente.

Iremos abrir uma loja em Miami no primeiro semestre do ano que vem, num centro comercial com as principais marcas da Florida não só no setor alimentar. Vai ser num food court com lojas do setor alimentar. Está bem localizada, em South Beach, e tem a particularidade de ter muito estacionamento. Em Miami toda a gente se desloca de carro. Essa loja será aberta antes da época baixa de Miami, antes do verão de cá e vai dar-nos uma ideia ainda melhor da recetividade do produto lá. Já temos tido produto à venda numa loja de um restaurante português – eles, aliás, são nossos sócios na empresa de lá, onde vamos ter capital nosso. Vai ser em parceria, uma sociedade americana em que detemos a maioria. A partir daí vamos ver o que acontece. Estamos a criar capacidade para tudo isso. Temos de ter a nova fábrica terminada no verão do ano que vem, que será perto de Salvaterra de Magos. Já na Europa, estamos a estudar a abertura de uma loja em Genebra [Suíça] com uma entidade local e uma outra no Luxemburgo, onde, como se sabe, há uma comunidade portuguesa muito grande.

 

PME Mag. – Como tem sido a recetividade dos vossos produtos?

R. V. – Tem sido ótima, sobretudo nos pasteis de nata, temos depois a miniatura com sabores que eles gostam bastante, pistácio e outros. Temos dez sabores diferentes, que levámos quase seis meses a desenvolver. É uma forma diferente, não é só o pastel de nata, e vamos também experimentá-los nos EUA. A recetividade é enorme. O que se vende mais são os pastéis de nata, bolo de arroz e outros bolos que só a Confeitaria tem: uns chamam-se africanos e que têm tido uma recetividade enorme. Estamos constantemente a desenvolver novos produtos, mas com as receitas portuguesas. Temos de inovar, ao mesmo tempo que mantemos a tradição.

 

PME Mag. – Onde espera ver a CN nos próximos dez anos?

R. V. – Tenho uma equipa fantástica e também temos a trabalhar connosco 15 dias por mês o chef francês Ludovic Descouens, que ao mesmo tempo é gestor. Muitas vezes ele convida outros chefs franceses para desenvolver novos produtos e outros produtos com receitas tipicamente portuguesas com algumas variantes. Isto para mim foi um negócio completamente novo desde 2002, eu vinha do mundo do trading e está a dar-me realmente enorme gozo desenvolver esta empresa, que estava pequena em 2002 e agora está a crescer.

 

PME Mag. – Teve de estudar bastante, então, para se inteirar sobre o setor?

R. V. – Tive de documentar-me bastante sobre tudo isto e é evidente que, embora estivesse sempre a viajar, de vez em quando ia à loja da Praça da Figueira, ia à fábrica anterior e conhecia as pessoas. Tenho gente com 40 anos de empresa, mas naquela altura não pensei que seria eu a assumir a empresa. Hoje em dia não estou nada arrependido. Estes negócios antigos que se vão renovando e vão crescendo – esta empresa já foi bastante grande e já exportou bastante e ganhou prémios internacionais. Para mim é muito bom que venha uma CNN e diga que somos uns dos dez melhores da Europa e que venha a Vogue e diga a mesma coisa. É quase voltar 50, 60, cem anos no tempo. É ótimo sentir que tudo isto está a mexer outra vez.

Apesar de a CN estar a expandir, nunca vou deixar que as receitas tradicionais se alterem. uma das pesquisas que estamos a fazer é trabalhar com produto em gás modificado, embora saia muito mais caro temos máquinas que nos reduzem o oxigénio abaixo de 5% com gás alimentar que vem dos EUA e isso melhora o produto, mantém-no válido mais tempo sem retirar qualidade ao produto. Não se alteram receitas e nunca se retira a parte artesanal ao produto. Nunca veremos na Confeitaria aquela pastelaria francesa muito direitinha, feita ao pormenor em máquinas. Queremos manter a qualidade com a parte artesanal do negócio. Já houve jornalistas e chefs que escolheram e compraram anonimamente bolo-rei em vários sítios e fizeram a avaliação sem sabermos e ficámos em número um na massa, o que para nós é ótimo.