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Artur Salada Ferreira, administrador do Lisboa Biz (Foto: Inês Antunes)

Os sem abrigo e a distribuição de riqueza

Por: Artur Salada Ferreira, administrador do centro de negócios Lisboa Biz

Quase meio século depois da revolução de Abril, que prometia esbater as desigualdades de que o Estado Novo era acusado de praticar, constatamos que pouco se progrediu e, nalguns casos, mesmo se regrediu.

Claro que a qualidade de vida em geral é, hoje, muito melhor e os serviços como a educação e a saúde melhoraram substancialmente. Mas a repartição da riqueza não acompanhou essa evolução, mantendo diferenças difíceis de compreender.

É particularmente chocante o número de sem abrigo que ainda vagueia pelas nossas cidades maiores. Os sem abrigo passam pelas margens das políticas sociais e da repartição de rendimentos existentes no país e essas têm sido insuficientes.

“É particularmente chocante o número de sem abrigo que ainda vagueia pelas nossas cidades maiores.”

O Presidente Marcelo tem apelado ao Governo e à sociedade civil com veemência no sentido de serem tomadas medidas concretas para os sem abrigo.

Nesta ampla abrangência da política de rendimentos e das necessidades de carácter social, permito-me comentar duas decisões recentes que vão ao arrepio de uma política mais justa e tendencialmente mais distributiva. São elas:

1 – Vencimento mínimo do setor público versus setor privado;

2 – Vencimento dos gestores públicos versus outros “servidores do Estado“ com maior responsabilidade, como Presidente da República, Primeiro-Ministro e Ministros.

E ainda:

3 – Os “sem abrigo” e o apelo do Presidente Marcelo.

 

1 – Vencimento mínimo do setor público versus o setor privado

Antes de qualquer consideração sobre a medida anunciada, permitam-me afirmar que os valores em questão são francamente baixos, quer para o setor público (630€) quer para o setor privado (600€). O que queria aqui salientar é o facto de o governo contribuir para aumentar as desigualdades, neste caso entre público e privado. Teria sido uma boa ocasião para dar um sinal de coesão social. Este caminho tem de ser iniciado o mais breve possível. E não se pense que são 30€ de diferença.

Se considerarmos que o público trabalha 35 horas e o privado 40 horas semanais, existe uma diferença de 20% de custo a favor do público. No mínimo, os vencimentos base deveriam ser iguais e, neste caso, de 630€ para todos. Certamente, um número significativo de PME teria alguma dificuldade, mas é para encontrar soluções justas e imaginativas que existem os governos eleitos pelo povo.

Se uma empresa não tem capacidade para pagar 630€ a um trabalhador é porque não produz ao nível do espaço económico onde está inserida (U.E.). Se não se atualiza, mais cedo ou mais tarde desaparece. Começa aqui o pesadelo dos que ficam sem emprego que, muitas vezes, não ultrapassam o trauma que tal situação acarreta e engordam o grupo dos “descamisados” deste país, passando a ser mais um sem abrigo.

“Se uma empresa não tem capacidade para pagar 630€ a um trabalhador é porque não produz ao nível do espaço económico onde está inserida.”

Este é outro ponto a favor do setor público: a garantia de emprego deixa os trabalhadores do setor privado com a sensação de estarem a pagar impostos para a função pública. Isto é, a função publica:

– Ganha mais;

– Trabalha menos horas;

– Tem mais tolerâncias de ponto;

– Emprego praticamente garantido para a vida.

 

2- Gestores públicos versus outros “servidores do Estado”

Ao anunciar a nomeação da nova administração da Caixa Geral de Depósitos, o Ministro das Finanças informou quais os montantes dos vencimentos dos novos administradores. Sendo questionado pelo facto destes valores serem quatro, cinco vezes maiores do que o vencimento do Presidente da República defendeu a opção para estar alinhada com o setor.

E os outros trabalhadores?

Não estamos a defender a unicidade salarial, pelo contrário, o mérito deve ser o princípio base para o reconhecimento profissional de qualquer trabalhador. Se as nossas empresas públicas têm gestores pagos ao nível do que se pratica no mundo, deveria exigir-se produtividade também ao mesmo nível. É a produtividade que deve determinar os vencimentos a todos os níveis hierárquicos e em todos os setores.  Os bons políticos estão mal pagos, levando os quadros mais capazes a não enveredar pela carreira política. E os salários mais elevados deveriam ser dos maiores responsáveis, tendo à cabeça o Presidente da República.

“Se as nossas empresas públicas têm gestores pagos ao nível do que se pratica no mundo, deveria exigir-se produtividade também ao mesmo nível.”

A produtividade deverá ser o elemento diferenciador para remunerar gestores e trabalhadores em geral, premiando os melhores, construindo uma República de Meritocracia.

A justiça absoluta não é fácil em nenhuma situação, mas deveria ser considerado um índice de produtividade por setor, correspondendo ao objetivo que o governo tem para a atividade de cada empresa pública. Quando trabalha no estrangeiro ou em Portugal sob comando estrangeiro, o trabalhador português é considerado disciplinado e trabalhador.

Se temos, a todos os níveis, portugueses reconhecidos com capacidade para os mais altos cargos a nível mundial:

– António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas;

– Durão Barroso, ex-presidente da Comissão Europeia;

– António Horta Osório, melhor banqueiro do Reino Unido;

– Cristiano Ronaldo, o melhor futebolista do mundo.

Muitos outros cargos de relevo têm sido entregues a portugueses e muitos portugueses cientistas são distinguidos por organizações científicas mundiais. Se assim é, se temos ao nível do melhor que um país da dimensão de Portugal pode ter, pergunta-se: porque temos índices de produtividade tão baixos? Não tenho nenhuma resposta simples, mas algumas pistas: a primeira chama-se organização e disciplina. E tem que ver com a legislação do trabalho, sempre produzida com complexos políticos que impedem de seguir modelos dos países com melhor índice de produtividade.

“Se temos ao nível do melhor que um país da dimensão de Portugal pode ter, pergunta-se: porque temos índices de produtividade tão baixos?”

Com o modelo de organização a vir de fora temos exemplos de grande sucesso em Portugal, como acontece com a AutoEuropa. Já nos anos 70, a Control Data Corporation instalou em Palmela uma fábrica de produção de discos para computadores de várias marcas que foi considerada modelo da Manegtic Peripheral Corporation, que tinham fábricas em diversos pontos do globo.

É urgente uma reflexão e tomada de medidas que nos levem aos níveis salariais mais elevados com a produtividade correspondente.

 

3 – Os “sem abrigo”

São o produto de muitos fatores que se conjugam para levar os mais débeis, financeiramente e psicologicamente, a claudicar. Tenho ouvido, com todo o meu aplauso, o apelo do Presidente Marcelo para que sejam criadas condições tendentes a acabar com este verdadeiro flagelo. Com este artigo pretendo dar um sinal de estar com o Presidente e aqui me disponibilizo para participar num movimento que venha a gerar-se para abolir ou, pelo menos, reduzir substancialmente este problema.

O desemprego para os trabalhadores de menores recursos e de mais idade é, talvez, o fator mais relevante. Numa sociedade globalizada e muito competitiva, a ajuda psicológica é tão ou mais importante do que a ajuda financeira. Mas ambas, certamente, poderiam estar mais desenvolvidas no sentido de apoiar os mais débeis.

Em 2017, havia 2,4 milhões de portugueses em risco de pobreza. Vamos dar as mãos e responder ao apelo do Presidente Marcelo.

Aceitam-se ideias e voluntários.